A notícia sobre a cura atribuída a São José, que fez desaparecer tumores intratáveis de um homem de 43 anos, trouxe-me uma lembrança do tempo em que eu enlaçava o pai e a mãe com meus braços pequenos, antes do despertar de mais um dia. Nessas manhãs em que buscava o aconchego da cama deles, para atrasar os minutos, gostava de ficar olhando para a estátua do santo de barba castanha e crespa, sobre a cômoda. Tocava-me a leveza com que carregava em um dos braços o menino de olhos azuis, ainda mais celestiais quando o sol se espreguiçava janela adentro.
Saber desse milagre, por intercessão do santo que protegeu a minha infância, foi como retornar àquele ninho aquecido e me sentir protegida de todas as intempéries. Acabei lendo sobre a fé e seus efeitos na saúde física e mental, já reconhecidos pela ciência. Embora para a maioria das pessoas ela não produza milagres, considerados fenômenos inexplicáveis, mesmo assim pode operar maravilhas na vida de quem a possui, independentemente da religião.
Mas ainda naquele dia, vi um não-milagre que me pareceu mais impressionante. Espremido ao lado do meu carro, que se arrastava pelo meio das três pistas de uma das perimetrais da cidade, trafegava um carroceiro, com as costas muito retas, enquanto segurava as rédeas do cavalo à sua frente. Sendo final da tarde, o cansaço e a fome faziam todos enfiar a mão na buzina, apesar de saberem que isto não alteraria o pouco espaço que nos reduzia a um único bloco metálico. No intervalo entre um dos buzinaços ensurdecedores, ouvi que o carroceiro, de um modo incrivelmente forte e afinado, assobiava uma canção.
Como não tínhamos como prosseguir, aproveitei para observá-lo. Carregava papelão, latas e outros recicláveis catados pela cidade. Sentado sobre o lixo, destacava-se acima do nível dos carros – um corpo a céu aberto. Apesar de toda a miséria ao seu redor, seguia assobiando, o que me levou a crer que não lhe faltava o imprescindível. Fé na vida. E, quem sabe, fé naquela plateia que apenas ignorava a força da sua alegria.