Volto a ser pequena, vestida com alguma peça rosa-choque. Ainda não se usava gelatina, glicerina e açúcar, ingredientes que hoje conferem resistência às bolhas de sabão, tornando-as também gigantes. O processo era simples: juntar água e detergente em um vidro, na proporção que a mãe sabia só de olhar, providenciar um canudinho de plástico ou de papel, e pronto, o resto da brincadeira era soprar e soprar.
O esforço até conseguir criar uma bolha, ou uma carreira delas, envolvia irritação e desapontamento. Por mais que alguma tia pacienciosa demonstrasse como fazer, exemplificando com assopros perfeitos, a atividade exigia o aprendizado que passava, necessariamente, pela experiência de conhecer, testar e dominar minha própria força. Assopros muito intensos resultavam em jatos que serviam apenas para deixar o chão escorregadio e perigoso; se muito acanhados, levavam a água ensaboada de volta para a boca, impulsionada pelo ângulo oblíquo e equivocado do canudo.
Depois de incontáveis vezes fracassando, ver pelo ar minhas próprias bolhas transparentes provocava mais do que felicidade. Ser capaz de criar aquelas estruturas delicadas, com seus arco-íris individuais, carregava algo de mágico. Talvez a mesma magia que sinto hoje, quando acerto as palavras para acalentar um coração dilacerado, resgatar a esperança ou mudar alguma perspectiva de vida.
As palavras estão para a humanidade assim como os sopros para as bolhas de sabão. E, em ambas situações, é preciso empenho para encontrar a modulação necessária.