Como escreve Ana Luiza Tonietto Lovato

Fonte: https://comoeuescrevo.com/ana-luiza-tonietto-lovato/

Ana Luiza Tonietto Lovato (Ana Luiza Rizzo) é escritora, mestranda em Escrita Criativa pela PUCRS.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

De segunda a sexta o despertador toca às 6 horas, mas só levanto às 6.20h, depois da soneca insistir duas vezes. Vou direto para o chuveiro, ritual imprescindível para acordar para os compromissos. Em seguida atendo os gatos, que esperam com miados impacientes desde meu primeiro ruído. Após toda a função felina, tomo o café, quase sempre acompanhada do marido e de pelo menos um dos dois filhos. Nesta hora gosto de saber das notícias do jornal, de preferência que as leiam para mim. É a única situação em que consigo me concentrar com uma leitura em voz alta, sem que precise acompanhar o texto escrito. Nos finais de semana pode acontecer de dormir até mais tarde ou acordar tão ou mais cedo que nos outros dias, dependendo do quanto estou atrasada nos escritos. No geral, gosto de pensar que em algum momento é possível estar livre da rotina.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

O turno da manhã é sempre meu melhor horário para tudo: escrever, ler, fazer ginástica, participar de reuniões, assistir uma aula. Mas como não existem apenas as manhãs, tento me adaptar e resistir ao sono terrível que me transforma numa verdadeira planta depois do almoço. Ainda sonho com o dia em que minha vida produtiva vai acontecer das 4:30 às 11:30 e das 17 às 21. O turno da tarde servirá apenas para a sesta, embalada por um bom livro.

Não tenho rituais para a escrita e procuro combater possíveis impeditivos para a criação. Por exemplo, conseguir escrever em qualquer lugar, inclusive com barulho. Tenho consciência de que consigo fazer isto porque desde cedo aprendi a me desligar da realidade e a me concentrar apenas nos meus pensamentos. Pode parecer coisa de louco, mas é muito útil pra quem gosta de inventar histórias.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Não consigo escrever todos os dias, por falta de tempo, por cansaço ou mesmo por preguiça.  Mas já adotei o hábito de fazer anotações diárias, para não deixar escapar as ideias que vão surgindo; assim como palavras, frases ou novidades que possam servir para algum texto futuro. Dia desses descobri que uma amiga não pode comer sagu, aquele doce feito de bolinhas de mandioca, porque não suporta olhar para ele. Esse mal-estar com a visão de agrupamentos de pequenos buracos ou saliências, como um favo de mel, sementes de maracujá, etc, chama-se tripofobia. Esta, por exemplo, é uma palavra que está anotada. Em algum momento servirá para caracterizar alguma personagem.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

O start para a escrita sempre está associado a um prazo definido, de preferência pelo compromisso com alguém que aguarda o texto, como os primeiros leitores, que se dispõem à leitura crítica, ou o editor. Sem esta data pré-definida não consigo nem começar.

Quanto às notas e às pesquisas, nem sempre estão completas antes do início do trabalho e vão acontecendo simultaneamente à escrita. Muitas dúvidas só surgem com o andamento do texto, o que conduz a novas pesquisas.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Tento pensar que sem ansiedade não há obra. Ela é necessária para nos colocar no modo trabalho e para nos obrigar ao melhor desempenho possível. Sem poder imaginar as possíveis críticas, não haveria o esforço de aprimorar o texto até que a autocensura o considere minimamente apresentável.

Quando tranca tudo e nenhuma palavra me vem à mente, leio algum autor de que goste muito e que tenha algum texto que corresponda à minha expectativa sobre o que estou tentando escrever. Não apenas leio. Pego um caderno e copio a lápis alguns trechos. Mas tem que ser a lápis, porque demanda mais força e ativa a capacidade de concentração. Além disso, dizem os neurocientistas que o ato de escrever à mão estimula áreas do cérebro ligadas à memória. Somando tudo, tem-se os elementos necessários para atiçar a imaginação. Nessa mesma lógica também assisto filmes e escuto músicas, prestando muita atenção às letras.

Se nada disso me tira da inércia criativa, calço meus tênis e vou dar uma boa caminhada com minha irmã. Nas conversas costumam surgir soluções para alguns impasses: posso me dar conta de algo que ainda não havia pensado ou escutar alguma história que ajude a construir mais uma peça do quebra-cabeças que são os textos de ficção.

E sobre corresponder às expectativas, é libertador quando se consegue entender que agradar a todos é impossível.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

No início achava um exagero revisar pelo menos quarenta vezes (sei que é este o número porque vou salvando cada versão do texto em um  novo arquivo), até o dia em que li a entrevista de um autor, que agora me falha o nome, onde ele falava exatamente isto: não liberava texto algum antes de revisar pelo menos quarenta vezes.

Todos os meus textos passam pelo olhar crítico de um núcleo duro, formado por três escritoras em quem tenho extrema confiança, tanto na técnica quanto na sinceridade: Cris Vazquez, Fátima Parodia e Irka Barrios. Dependendo do texto e do prazo,  solicito a leitura de outros escritores e escritoras. Tenho encontrado muitos colegas disponíveis, o que torna ainda mais prazeroso o ofício de escrever.

E quanto à crítica, é imprescindível aprender a lidar com ela. Quem não a suporta, não deve escrever.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Direto no computador. Escrever à mão, apenas para a situação que descrevi acima. Até as notas que faço diariamente são registradas num aplicativo, conectado com o computador. A tela do computador nos permite ir jogando as ideias quando ainda não sabemos direito qual será o aspecto final do texto.  Não vejo motivos para abrir mão de um recurso que poupa um tanto de energia nesse processo intenso que é o escrever.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

Talvez minha maior fonte de ideias venha do hábito de ser uma boa ouvinte. Ouço com muita atenção tudo o que me contam, e também o que não me contam, como as conversas que capto na fila do restaurante ou na calçada, enquanto espero para atravessar a rua ao lado de alguém que fala no celular.  Imagino histórias para completar as frases isoladas que me chegam sem querer. Assim como acho impossível ver uma pessoa de joelhos numa igreja sem construir um enredo para aquela prece.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Aprender sobre a técnica da escrita, nas várias oficinas de criação literária que já participei, me tornou uma leitora mais perspicaz. Aproveito todas as leituras para examinar o trabalho que o escritor teve naquele livro: como construiu os personagens, em que ordem contou a história, como chegou àquele desfecho. Como diz o escritor e mestre Luiz Antonio de Assis Brasil, que recentemente lançou o excelente livro Escrever Ficção (Cia das Letras), ler pelo simples prazer é algo de que sempre teremos saudades.

E voltando aos meus primeiros textos, gostaria de recuperar a escrita impetuosa e espontânea de quem ainda não tem a patrulha da autocrítica. Mas neste ponto, procuro convencer a  mim mesma a deixar as ideias fluírem, comandadas pela fantasia. A crítica deve ser liberada depois, nas tantas reescritas necessárias até o texto estar pronto para os leitores.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Gostaria de escrever um livro que continue sendo lido após a minha morte.

E sobre os livros que gostaria de ler, se conseguir dar conta dos que não param de se acumular na minha biblioteca, poderei dizer que fui feliz.

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